Entre leis e afeto: a adoção legal como base para uma nova família
Processo de adoção segue várias etapas
Amor e afeto fazem parte da rotina na família do pequeno Samuel Havi. Foto: Priscila Kelly
Joaquim Júnior
28/10/25 9:00

Desde que recorda, Taynara Vieira sempre sonhou em ser mãe de quatro filhos, tanto por via biológica como pela adoção. Através do processo de adoção legal, a chegada de Samuel Havi deu início ao crescimento da família e aumentou ainda mais a alegria no lar que divide com André Pinheiro, marido dela. Agora, eles compartilham da rotina em meio ao amor intenso e às descobertas que surgem dia após dia.

No Brasil, qualquer pessoa maior de 18 anos, independentemente de estado civil, identidade de gênero ou orientação sexual, pode dar entrada em um processo de adoção – basta cumprir os requisitos exigidos. Os interessados devem procurar o Fórum da cidade, sem necessidade de advogado, e preencher o formulário/pedido inicial de habilitação, no site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Desde que foi criado, em 2019, o Sistema Nacional de Adoção (SNA) reúne dados de crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional ou familiar, e centraliza os cadastros de pretendentes à adoção em âmbito nacional.

Entre os órgãos que atuam no decorrer de um processo de adoção, está o Ministério Público, que inicialmente aprecia a documentação dos pretendentes para a posterior decisão do juiz. Com a conclusão das etapas junto às pessoas interessadas em adotar, que incluem curso preparatório, visitas guiadas, entrevistas e sindicância psicossocial, o processo é novamente avaliado e, se aprovado, o pretendente recebe a sentença de habilitação, que define sua posição na fila de adoção.

Todas estas etapas foram percorridas por Taynara e André, que encontraram, no decorrer do caminho, ainda mais percalços que o comum: o sonho de ver a família crescer enfrentou a pandemia de covid-19 e passou pelas comarcas de Iguatu, Quixadá e Barbalha, cidades onde moraram. O perfil escolhido, que reúne características da criança ou adolescente que os pretendentes buscam, foi amplo: eles estavam abertos a receber uma criança de até oito anos, independentemente de sexo, cor e algumas condições de saúde.

O primeiro encontro da família foi ainda em 2024. Foto: Leillane Viana

Após inúmeras etapas e em meio a um turbilhão de sentimentos, que foram da ansiedade ao medo e culminaram com a felicidade extrema, os corações de Taynara, André e do pequeno Samuel bateram juntos, pela primeira vez, em 2024. Foi naquele mês de maio, quando Samuel estava prestes a completar oito anos de idade, que os pais foram vinculados ao filho, momento que teve sequência com uma série de visitas presenciais, em Fortaleza. Alguns meses depois, na primeira viagem de Samuel ao Cariri, o pequeno passou o primeiro Dia dos Pais com a família, na casa que logo se tornaria o lar deles em Barbalha.

Ainda em agosto de 2024, o casal recebeu o termo de responsabilidade, com guarda provisória de 30 dias. Na ocasião, os três tiveram um mês de vivências, passeios e emoções inéditas. A guarda definitiva veio em julho de 2025; em setembro do mesmo ano, eles receberam a certidão de nascimento do pequeno, atualizada com sobrenome, além dos nomes dos pais e avós. “Samuel veio muito a minha cara! Na personalidade, no sorriso e na simpatia”, contou Taynara, emocionada e sorridente, em meio a um grande abraço carinhoso do filho, que já está com nove anos.

Como avalia a mamãe, o período da licença-maternidade foi extremamente importante, após a chegada de Samuel, pois possibilitou a criação do vínculo familiar, o fortalecimento da relação pais-filhos e uma compreensão dos sentimentos infantis e do processo de transformar-se mãe e pai. No trajeto, o compartilhamento de experiências junto às amigas também foi apontado como fator importante, já que, até o momento, ela não encontrou grupos de apoio voltados à causa da adoção. Sobre o conselho que deixa para pretendentes a adotar uma criança, Taynara é enfática: transparência. “Com o casal, com você mesmo e com seus sentimentos”, afirmou, ao dizer que também é necessário pensar no bem-estar da criança, que já sofreu e que passou por situações muitas vezes desconhecidas e que, assim como os pais, também possui expectativas e está vivendo descobertas.

O batizado de Samuel Havi foi realizado no último dia 25 de outubro. Foto: Willo Araújo

Fila de espera

Atualmente, cerca de 900 crianças e adolescentes estão em acolhimento no Ceará, aguardando um novo lar. Deste total, um terço encontra-se na região do Cariri. Aproximadamente 35% estão na faixa etária de 0 a 7 anos - considerada janela adotiva -, o perfil mais procurado pelos pretendentes. No Brasil, a adoção é considerada legal, se realizada por meio de processo judicial, nas Varas da Infância e da Juventude, comumente presentes nos fóruns das cidades. No país, mais de 30 mil famílias aguardam na fila de adoção, enquanto mais de 30 mil crianças e adolescentes vivem em abrigos.

Foto: Joaquim Júnior

Segundo Joana D´arc Almeida Dimas, coordenadora do Serviço de Família Acolhedora em Juazeiro do Norte, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) assegura que toda criança e adolescente tem direito à convivência familiar e comunitária, preferencialmente no seio da própria família. A adoção surge como uma medida excepcional e protetiva, aplicada quando não há possibilidade de reintegração familiar.

“Durante o processo de adoção, o ECA garante uma série de direitos, como o respeito à identidade, à origem e à história da criança, o direito de ser ouvida, considerando sua idade e grau de maturidade, e o direito à proteção integral, o que inclui o acompanhamento psicossocial e jurídico em todas as etapas”, explica, dando ênfase que o procedimento é rigorosamente controlado pelo Judiciário e pelos órgãos da rede de proteção, como os Serviços de Acolhimento Institucional em Família Acolhedora, justamente para garantir que cada decisão seja tomada no melhor interesse da criança e do adolescente, princípio norteador do ECA.

Entre pontos que acredita serem necessários para garantir que o processo de adoção ocorra eficazmente no Brasil, que, como mencionou, ainda enfrenta desequilíbrio entre o perfil buscado (bebês sem doenças ou irmãos) e o perfil da maioria das crianças disponíveis (mais velhas, com irmãos ou condições especiais), Joana cita a necessidade do equilíbrio entre celeridade e segurança jurídica, além de desafios relacionados à estrutura da rede de acolhimento, à necessidade de formação continuada dos profissionais envolvidos, ao acompanhamento pós-adoção e à adaptação das crianças com a família.

À espera de um lar

Na Unidade de Acolhimento de Juazeiro do Norte, crianças e adolescentes afastados temporariamente de suas famílias de origem, seja por omissão ou por prática de violência, aguardam o encaminhamento para uma família substituta ou o retorno seguro à família de origem. Vanessa Carvalho, que coordena o equipamento, cita que há vários desafios enfrentados pelas unidades de acolhimento atualmente: desde a morosidade por parte da Justiça frente ao andamento dos processos a coisas mais básicas como, por exemplo, os familiares entenderem o papel do serviço.

“Para a adoção, existe todo um trabalho realizado desde o afastamento da família de origem até o processo numa família substituta. Aqui, na nossa unidade, trabalhamos junto com o acolhido, ou seja, todas as decisões importantes sobre a vida deles, a gente conversa e dá suporte a eles”, explica a coordenadora.

Na Unidade, a equipe ajuda os acolhidos sobre sentimentos, frustações, limites para o melhor convívio e desenvolvimento, etc. Também é apresentada a perspectiva de que o acolhido não está só e que, se não surgir uma adoção, ele ficará no equipamento até a maior idade. “Porque é o que temos, embora não seja o ideal, é o real”, enfatiza Vanessa, ao dizer que a rede socioassistencial é boa e que há parceria com o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública.

“Adotar, assim como gestar um filho, é um gesto de amor e, justamente por isso, tem que ser pensado e desejado”, enfatizou Vanessa, ao dizer que não se pode pensar na adoção como uma forma de fazer caridade ou de ser solidário e que, ao invés de romantizar, é necessário que o pretendente esteja disponível e aberto para vivenciar cada etapa do processo de adoção, com calma e com vontade.

Adoção deve ser legal

Apesar dos avanços, a adoção irregular ainda é uma realidade bastante comum. Muitos casos envolvem até mesmo registrar a criança como filho biológico – o que configura crime previsto no Código Penal, com pena de dois a seis anos de reclusão, segundo informou o promotor de Justiça Dairton Costa, coordenador auxiliar do Centro de Apoio Operacional da Infância e da Juventude (Caopij). “Caso a criança não seja registrada, mas mantida fora do conhecimento das autoridades, pode configurar o crime de subtração de incapaz. Além das sanções penais, há possíveis punições cíveis e medidas judiciais, como busca e apreensão da criança”, pontuou.

Foto: Joaquim Júnior

De acordo com o Ministério Público do Ceará (MPCE), as práticas ilegais prejudicam o sistema, já que o alto número de adoções ilegais e clandestinas gera processos na Justiça e até mesmo crimes graves, como tráfico de crianças. O MP acompanha todo o processo, atuando em prol de garantir que tudo aconteça de forma segura, justa e definitiva para ambos os lados da adoção. O objetivo, conforme apresenta o órgão, é formar famílias sólidas e felizes, a partir dos três pilares que sustentam o vínculo familiar: convivência, afetividade e afinidade.

"O Ministério Público atua como fiscal do processo e garantidor dos direitos de crianças e adolescentes. Entre suas atribuições, está a fiscalização dos prazos legais, do princípio da prioridade absoluta e do cumprimento dos direitos previstos em lei. O MP também acompanha o respeito à fila do SNA e atua contra práticas irregulares de adoção”, destacou Dairton Costa, que informou que os pretendentes à adoção devem buscar os meios legais, manterem-se ativos na defesa de seus direitos e dos direitos das crianças acolhidas, respeitando os trâmites legais e participando das etapas previstas pelo Sistema Nacional de Adoção, assim como feito pela família de Taynara, Samuel e André. “Busque seus direitos, denuncie adoção ilegal e não se mantenha em espera inativa – pelo contrário, busque um esperançar ativo pelos seus futuros filhos”, concluiu.

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