Jornal do Cariri
Assaltos a mão armada causam medo e revolta
Mais de 930 Crimes Contra o Patrimônio (CVP) foram registrados na área que integra o Cariri
Foto: Arquivo/ Agência Brasil
Joaquim Júnior
03/08/21 8:30

Casos de roubo a mão armada e com vítimas surpreendidas por assaltantes sobre uma moto têm sido registrados com frequência, nos últimos dias, em cidades como Juazeiro do Norte e Crato. Vídeos de câmeras de seguranças, compartilhados em redes sociais, mostram a ação rápida dos criminosos. Os flagrantes, cada vez mais frequentes, causam medo e indignação na população.  O tipo de roubo integra os índices de Crimes Contra o Patrimônio (CVP), que na Área Integrada de Segurança 19, da qual o Cariri faz parte, foram registrados 939 casos no primeiro semestre deste ano, conforme estatísticas da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). A violência, assim como apresentam especialistas, surte efeitos desde interferência no desenvolvimento da sociedade à crescente sensação de insegurança e surgimento de distúrbios psicológicos.

Na semana passada, em Juazeiro, uma mulher seguia numa moto biz, quando foi surpreendida por um homem que, repentinamente, a derrubou da moto e fugiu levando o meio de transporte. Em Crato, também em uma moto, um homem abordou e levou pertences de mulheres que faziam caminhada no bairro Seminário. Há alguns dias, em outro caso, Maria Silva (nome fictício) estava saindo da casa em que trabalha, quando foi surpreendida por dois homens armados, que a perseguiram e levaram celular e bolsa com documentos pessoais. Apesar do passar dos dias, a vítima continua com medo de andar pelas ruas e, mais ainda, quando está sozinha. “Só de lembrar, revivo a cena. Parece um pesadelo”, comenta.

O professor John Heinz, do Departamento de Direito da Universidade Regional do Cariri (Urca) e mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), destaca que vivemos em um país inacreditavelmente violento. Entre os motivos, ele aponta a existência de altas taxas de criminalidade, a inépcia do aparelho estatal em seu combate e o fato de o país deter a terceira maior população carcerária do mundo, em condições sub-humanas. “Somos uma sociedade violenta e que tolera a violência. Então, pode parecer que não, mas a insegurança de quem anda na rua e já receia ter seu celular roubado, está intimamente ligada a essa banalidade da violência. Insegurança e violência são irmãs” enfatiza o professor. A desigualdade social, a seletividade do sistema penal, em punir mais alguns tipos de crimes do que outros, e a própria sensação de impunidade são indicadas por ele como algumas das causas da violência e da criminalidade

“A violência é tanto um fator que interfere no desenvolvimento de uma sociedade como um resultado do que é esta própria sociedade”, afirma John Heinz. Como lembra, a última proposta de segurança pública validada nas urnas do Brasil teve como carro-chefe, para enfrentamento da criminalidade, as “armas nos lares”. “Isso é, em maior ou menor medida, um espelho da nossa própria sociedade”, relata o docente, ao mencionar que, “se pretendemos mudar os reflexos da violência em nosso desenvolvimento social, temos que saber que nossa forma de enfrentar a criminalidade está equivocada e que essa tolerância à violência provoca consequências, inclusive o aumento da insegurança”. Na opinião do professor, os equívocos das políticas de segurança pública são muitos. “A ação ostensiva e armada é só uma das formas de se implementar políticas de segurança, uma das mais custosas ao erário e sem comprovação alguma de ser a mais eficaz. Não é que ela não deva existir, o fato é que ela não pode ser a única estratégia, nem mesmo a principal. Ao seu lado, investimento em tecnologia investigativa, em medidas preventivas, em educação da população e integração com a comunidade demandam menos risco”, completa.

Mais vulneráveis

O professor Egberto Melo, do Departamento de História da Universidade Regional do Cariri (Urca), mestre em História Social e doutor em Educação, conta que, historicamente, a sociedade brasileira carrega uma violência estrutural. “Essa violência, seja no Cariri ou no Brasil de forma geral, resulta de uma sociedade que se constituiu patriarcal, machista e racista, com origens na escravidão e riqueza na posse de bens como fatores de diferenciação social, que se expressa de várias formas em nossa contemporaneidade”, relata. Ele cita, ainda, que a ascensão de grupos reacionários, conservadores e neofascistas às esferas de poder têm incentivado que preconceitos e intolerâncias de variadas configurações aconteçam de formas mais brutais.

Egberto Melo menciona que, com a pandemia, a violência do homem para com a mulher teve aumento no período. Dentro da lógica de gênero, ele relata que a violência contra pessoas LGBTQIA+ também é crescente: dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, mostram aumento de 19,8%. Ataques voltados a negros, índios e às comunidades quilombolas também despertam atenção. “O risco de um homem negro ser assassinado é 74% maior e para as mulheres negras a taxa é de 64,4%”, afirma, ao acrescentar que “temos, ainda, o aumento da pobreza nos últimos anos e a incapacidade do Estado de se fazer presente nas áreas de maior vulnerabilidade, não com o aparato policial, ou não somente com ele, mas com infraestrutura, saneamento, assistência de saúde, educação, moradia, dentre outras necessidades básicas de dignidade humana”. Conforme aponta, esse fator contribui para que muitos jovens abandonem a escola “para que se tornarem presas fáceis para os grupos chamados ‘faccionados’, que têm a violência e a força como única possibilidade de existência”.

Saúde mental

Diante de tal realidade de insegurança, a saúde mental dos caririenses, assim como de todos os brasileiros, fica comprometida. O psicólogo Héricles Vinícius enfatiza que a violência crescente deixa marcas e impactam diferentemente cada pessoa: “Cada sujeito vai subjetivar essa crescente da violência ao seu modo”, relata. Ele afirma que o medo e a ansiedade começam a ganhar nuances mais acentuadas diante da compreensão de que, com o aumento exponencial da violência, a exposição ao risco também é maior. Isso, então, contribui para o aumento do medo, da ansiedade e da insegurança. “O melhor modo de preservar a saúde mental é sempre com ajuda profissional. É de extrema necessidade que haja uma mudança no pensamento de que psicólogo é apenas para doidos, pois esse é ainda é um dos motivos de impedimento das pessoas procurarem ajuda quando precisam. O psicólogo também trabalha com profilaxia e com intervenções que podem ajudar as pessoas a se apropriarem das suas vidas”, enfatiza Héricles.

Nota SSPDS

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará (SSPDS) informou que, no primeiro semestre de 2021, houve uma redução de 17% nos Crimes Contra o Patrimônio (CVP) no Estado, indo de 29.447 para 24.433. Como destacado, municípios de Barbalha, Brejo Santo, Crato e Juazeiro do Norte contam com bases do Comando de Policiamento de Rondas e Ações Intensivas e Ostensivas (CPRaio) da Polícia Militar do Ceará (PMCE) e fazem parte do Sistema de Videomonitoramento da SSPDS, que atualmente possui mais de 3.300 câmeras integradas em todo o Estado. Por meio de trabalho ostensivo e investigativo, a segurança no Ceará realizou mais de 17 mil capturas, por flagrante ou cumprimento de mandados, bem como apreensões de 2.999 armas de fogo e 2,4 toneladas de entorpecentes nos primeiros seis meses deste ano. “Os casos de roubo ocorridos na região são investigados pelas unidades da Polícia Civil do Estado do Ceará (PC-CE). É fundamental que as vítimas dos crimes registrem as ocorrências por meio de Boletim de Ocorrência (BO), que pode ser feito presencialmente em qualquer delegacia física ou por meio da Delegacia Eletrônica (Deletron), pelo site www.delegaciaeletronica.ce.gov.br, em qualquer horário do dia ou da noite. A Delegacia Eletrônica atende todo o Estado do Ceará”, finaliza a nota.

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