Zabumbeiros Cariris celebram 21 anos de história
Em outubro, a banda realizou show apoteótico no Festival Unaé
Foto: Samuel Macedo
Joaquim Júnior
07/11/23 13:30

Os Zabumbeiros Cariris carregam em seu nome a região que lhes é berço e levam ao público a tradição dos grupos culturais que dão ao Cariri o reconhecimento de caldeirão da cultura. Amélia Coelho, Diego Souza, Flauberto Gomes, Ranier Oliveira, Reginaldo Silva e Vinícius Pinho são os atuais integrantes do grupo, que celebrou seu aniversário de 21 anos em um show apoteótico no Festival Unaé, realizado no Centro Cultural do Cariri Sérvulo Esmeraldo. E este é apenas o começo da história, que ainda tem muita zabumba, pífano e rabeca para embalar os próximos capítulos.

A banda Zabumbeiros Cairis foi criada ainda em 2002, formada por egressos do projeto social Movimento Raízes do Cariri (Moraca), ONG que desenvolvia ações socioculturais no bairro São José, mais precisamente, no limite entre Crato e Juazeiro do Norte. Dentro do projeto, de acordo com Flauberto Gomes, os integrantes conviveram com várias manifestações populares da cultura caririense, como bandas cabaçais, reisados, maneiro-pau, capoeira, além de movimentos ligados às manifestações religiosas, como renovações e novenas.

“Conscientes de que a música, além de uma manifestação artística, também se apresentava como uma incrível ferramenta de transformação humana e política, naturalmente houve uma aproximação de alguns ex-integrantes da banda Moraca, que passaram a compartilhar referências alinhadas a essa estética musical”, conta Flauberto. Daí nasceu o desejo coletivo de desenvolver um trabalho com alicerce sobre essas matrizes, com composições autorais que cantasse o Cariri, o sertão e seu povo rico de mitos e histórias, utilizando a sua própria musicalidade.

O nome da banda nasceu por traduzir o sentimento deles naquele momento, por carregar o nome do lugar de onde são e por prestar homenagem às bandas cabaçais do Cariri. Desde então, inúmeras pessoas passaram pelo trabalho, a exemplo de Beto Lemos, um dos fundadores, e de nomes como Junú, Luciano Brayner, Michel Leocaldino, Haarllem Resende, Evânio Soares, Rubens Darlan, Fabiano Felix etc.

Como aponta Evânio Soares, o coração da musicalidade dos Zabumbeiros Cariris reside suas raízes profundas na tradição popular. Como lembra, sua primeira rabeca foi um presente de Dane de Jade, gestora de cultura, à ONG Moraca. O instrumento, que outrora enfeitava quermesses e sambas no oitão das casas, era tocado principalmente pelos mestres. Junto ao seu primo Beto Lemos, Evânio aprendeu a tocar a rabeca, e teve a oportunidade de aprender ainda mais sobre ele ao conviver com Cego Oliveira e Di Freitas, fundador da Orquestra Armorial de Rabecas Cego Oliveira. Depois disso, vieram a viola de dez cordas e o pífano, que aprendeu com os mestres da banda cabaçal São José.

Desta forma, os instrumentos foram incorporados às composições do primeiro disco homônimo, chamado Zabumbeiros Cariris, do ano de 2007. Há, inclusive, uma faixa em homenagem ao bairro São José. “A banda leva os ouvintes a uma jornada sonora única. As músicas foram compostas pelos próprios músicos da banda ou em parcerias, tendo também composições de autores do Cariri, de Minas Gerais e do Rio Grande do Norte, estendendo as partilhas musicais além das fronteiras da Chapada do Araripe”, relata Evânio, ao dizer que uma característica marcante do grupo é a energia ardente e a paixão que infundem em cada nota. “Os shows são eletrizantes! Até hoje me arrepio quando subo no palco com meus amigos de longa data. A entrega e a musicalidade criam uma atmosfera contagiante e cheia de sentimentos com força. Cantamos a vida de um povo autêntico e forte, cheio de amor no que faz. Cantamos nosso povo Cariri e sua ancestralidade”, destaca.

Vinícius Pinho ilustra que, essencialmente, os Zabumbeiros Cariris sempre foram fruto de uma construção coletiva, um sonho bordado a muitas mãos, um canto ecoante de muitas vozes. No decorrer da história do grupo, tal característica veio refletir - quase que naturalmente -, por exemplo, na formatação de um repertório autoral constituído não somente de criações dos integrantes, como também de canções de outros compositores, como Ermano Moraes, Cleilson Ribeiro, Beto Lemos, Junú e Luciano Brayner, amigos que, em grande parte, ainda somaram como intérpretes em diversas oportunidades entre discos e shows.

“É possível que tenha sido essa força de criação coletiva que tenha permitido ao projeto atravessar o tempo e o espaço, alcançando os corações generosos de outros compositores, como Abidoral Jamacaru e Luiz Salgado, cujas obras potentes tivemos a felicidade de (re)gravar, e tocando com respeito e honestidade o legado da cultura tradicional popular do Cariri cearense, tradição essa que nos alicerça, nos abraça e nos move”, menciona Vinícius, ao dar como exemplos registros como os das canções "O Peixe", poesia de Patativa do Assaré e música de Abidoral Jamacaru; "O Folclore é Uma Rosa", da Banda Cabaçal Santo Antônio, de Juazeiro do Norte; ou "Cabocla", apresentada na voz da Mestra Maria do Horto.

“Foi, certamente, essa força (de criação coletiva) que fez o som e as cores dos Zabumbeiros Cariris atravessarem como flecha corações de jovens sedentos da arte e da cultura semeada nesse solo sagrado e encantado chamado Cariri, tal como aconteceu comigo, que ainda hoje carrego a emoção de chamar de amigos verdadeiros ídolos”, completa Vinícius, ao contar que “são mais de duas décadas de muitas vivências, muitos enredos, que obviamente produziram muita história, um rosário de inúmeras contas, cujo debulhar não caberia em uma conversa, mas que segue podendo ser mensurada na entrega realizada a cada espetáculo apresentado, a cada troca feita com o público em cada show, e como pôde, novamente, ser constatado na celebração que foi a performance do grupo dentro do Festival Unaé”.

Para celebrar a trajetória de mais de duas décadas, a pretensão do grupo é gravar um documentário contando histórias e parcerias com tantos poetas, compositores e músicos. “Causos e músicas não faltam para esse trabalho”, afirma Diego Souza. Conforme relembra, o grupo não teve como divulgar o último álbum, “Guerreiro de Fitas”, lançado em 2017, devido ao período de pandemia de covid-19. “Esse álbum foi gravado ao vivo, com todos juntos, e foi uma experiência maravilhosa. Os arranjos eram concebidos de forma fresca, alguns até na hora da gravação”, conta Diego. O trabalho foi feito no EDS Estúdios, com a direção do mestre André Magalhães.

“O disco ficou pronto e demos um acabamento com muito carinho, pensando em cada detalhe”, enfatiza Diego. A arte gráfica foi feita pelo Mundo Cariri, a foto de capa foi tirada pelo fotógrafo Hélio Filho e o processo também contou com fotografias de Samuel Macedo. “O ‘Guerreiro de Fitas’ foi um trabalho que nos trouxe muitas experiências e aprendizados. Foi a culminação de anos de dedicação e comprometimento com a nossa música. Estamos felizes por ter deixado a nossa marca nesse álbum e por termos tido a oportunidade de compartilhá-lo em todas as plataformas digitais”, descreve Diego. O álbum pode ser ouvido pelo Spotify, clicando aqui.

A sonoridade e a estética dos Zabumbeiros, assim como os elementos que fazem do grupo os Zabumbeiros Cariris, vêm da música de tradição das bandas cabaçais, dos reisados, lapinhas, das rezadeiras, dos mitos e das lendas do Cariri, assim como da contemporaneidade. Conforme explica Diego, a diversidade de experiências e influências leva o grupo a explorar diferentes estilos e gêneros musicais, criando um som único e cativante. “Além disso, não nos limitamos apenas à música”, ressalta. Os Zabumbeiros também são responsáveis por composições que dão vida a cenas emocionantes e intensas, a exemplo de cinco discos, em que compuseram e gravaram para a Companhia Alysson Amâncio e companhias de dança, algo que lhes permite expandir ainda mais os horizontes artísticos.

“Essa versatilidade dos zabumbeiros nos mantém sempre em movimento, em constante evolução. No entanto, não é apenas a busca por novas experiências que nos motiva. Valorizamos profundamente nossa cultura tradicional e contemporânea, buscando inspiração em nossas raízes cariris e no cotidiano. É essa mistura de elementos que torna nossa música tão autêntica e marcante. Cada integrante do grupo traz consigo suas próprias influências e bagagens culturais, contribuindo para a riqueza sonora que nos define. É a partir desse amálgama de ideias que construímos nossa identidade musical única”, afirma Diego.

Para Amélia Coelho, parece que foi ontem que ela e os amigos estavam descobrindo o universo musical na ONG Moraca, lugar que abraçaram como segunda casa. Coordenado por Franco Barboza, escritor e arte educador, foi nesse lugar de sonhos e descobertas que eles aprenderam música com a Banda Cabaçal São José de Mestre Augusto e Zé de Mandú, ouvindo as rezas de Dona Francisca, nos benditos das rezadeiras nas renovações do bairro, mergulhando nas histórias e nas cantigas do mestre de reisado Zé Mateus, nas farinhadas na casa de seu João, no meio das canas, dos pés de seriguelas, das mangueiras que sombreavam o chão, onde se corria livre com pés descalços. “Alli, naquele lugar de pertencimento só nosso, que nos encantamos, e com olhos curiosos de crianças e uma fome insaciável de conhecimento, a cada dia nos descobrimos e entoamos nosso canto transcendental a plenos pulmões”, relembra carinhosamente.

Olhando para trás, Amélia avalia que a trajetória foi incrível, um grande caminho, uma jornada frutífera e cheia de fartura musical repleta de momentos prósperos, compartilhados e florescidos na música. Os Zabumbeiros é uma grande família. Crescemos juntos em todos os sentidos, lado a lado, e nem nos percebemos artistas... Quando abrimos os olhos, já era hoje!”, conta Amélia, que diz que saber que contribuíram, influenciaram e inspiraram essa nova geração de artistas enche os corações de esperança. “Perceber que aquelas crianças de antes cresceram e hoje são adultos, pais, mães, tios, artistas, médicos, escritores, e que nosso trabalho despertou uma série de emoções e criou memórias em suas vidas, além de transformar e despertar diferentes sentimentos no público que nos assiste em nossos shows, é algo que nos traz uma sensação de plenitude e gratidão”, frisa a artista.

Sobre o amanhã, ela compara vê-lo ao abrir de uma janela com uma xícara de café na mão, depois de uma chuva fina, e sentir o perfume da terra molhada, o vento suave no rosto, apreciando cada gole devagar e saboreando o sabor da vida, percebendo que aqui, no sertão, é o seu chão, lugar ao qual pertence. “Nossa pluriculturalidade se enraíza cada vez mais nas novas gerações, e acreditar que o acesso à arte e a cultura é um bem valioso que devemos espalhar, para que todes tenham o direito de consumi-los, é essencial para formarmos cidadãos conscientes e críticos em busca de políticas públicas de qualidade para nossa região”, destaca Amélia.

Assim como os outros integrantes, ela não esquece de mencionar que o Festival Unaé, que diz ter sido um momento grandioso para o grupo, especialmente porque, depois de cinco anos de hiato causado pela pandemia, estavam de volta aos palcos: “Durante o show, senti uma gratidão imensa e um sentimento de missão cumprida me invadiu. Em um breve instante, fechei os olhos por um segundo, ouvi meu coração batendo no peito forte e feliz e foi como assistir a um filme: eu estou aqui e estou viva! E é isso que desejo para o futuro: estarmos vivos na música e na memória poética das terras caririzeiras”.

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