Espetáculo aborda ancestralidade feminina no universo do sertão
O Cariri e a cultura regional permeiam obra da criadora do espetáculo
Foto: Marcelo Paes
Joaquim Júnior
28/02/23 10:00

Um espetáculo que carrega a ancestralidade feminina e permeia o universo do sertão, carregando elementos caririenses e celebrando as riquezas que oferecem. É assim que “Touro”, concerto de dança performado pela dançarina e coreógrafa Valéria Pinheiro, se apresenta. Em turnê pelo Cariri durante o mês de março, o espetáculo será apresentado no Sesc Juazeiro, no Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB) Cariri e na Vila da Música. Além disso, será inaugurada a instalação “O sertão e o universo feminino com a força do touro”, na galeria do Sesc Juazeiro.

“Touro” nasceu em 2020. A ideia foi se formulando quando, em 2018, Valéria fechou seu teatro, em Fortaleza, e resolveu habitar as terras que herdou de seu pai, no sertão. Ao observar a força motora e criativa do sertão, ela elencou histórias de mulheres com as quais começou a conviver e entendeu que, sem a mulher e sem essa força feminina, o sertão não se sustenta. “E resolvi fazer um mergulho na minha ancestralidade feminina. E eu acho que aí nasceu touro. Que no sincretismo diz respeito à força feminina do orixá Iansã”, explica.

Um ano depois, ela já tinha escritos e leitura para uma possível dramaturgia dessa obra. A chegada da pandemia foi acompanhada por medo e dores, que a fizeram, enfim, se submeter a uma cirurgia que há anos vinha protelando: a prótese total de bacia. O tempo em casa, “engessada”, serviu para que ela reaprendesse a andar e a dançar, após meses de fisioterapia, reabilitação e terapia. Ao se sentir mais forte, voltou para o sertão e reencontrou todo o sentido da própria vida. “Eu me sentia uma dessas mulheres fortes, e capaz de seguir minha própria vida”, conta.

A partir daí, organizando seu sertão e seu ponto de cultura, Valéria reergueu o seu fazer artístico e, no final de 2021, conheceu Vinicio de Oliveira, por intermédio de Rodrigo Frota, um grande amigo. Juntos, eles começaram a sonhar nessa obra. Em 2022, entraram em estúdio para começar a montá-la e, nove meses de pesquisa e construção depois, em outubro do mesmo ano, estrearam “Touro” após convite da Bienal Internacional de Dança do Ceará. Na turnê de estreia, o Cariri foi contemplado. Agora, em março de 2023, a turnê retorna à região e passa pela capital, Fortaleza, e também pela Paraíba. A partir de julho, a turnê segue pelo Canadá, por Vancouver, Quebec e Calgary, e para os Estados Unidos, com possibilidade de temporada no Teatro La Mama Off Broadway, em Nova York.

Como cita Valéria, desde sempre o Cariri e a cultura regional estão em suas obras. “Eu tenho 25 peças coreográficas no meu repertório. Toda a minha obra passa pela cultura caririense e com foco no Juazeiro do Norte”, relata, dando como exemplo a subida do Horto, com todo acervo cultural e a sua geografia – as sua cores, as pessoas que o habitam, os romeiros, os beatos, as ladainhas etc. Entre as peças, inclusive, há um espetáculo inspirado em Juazeiro e na cultura marroquina. Inspirada por Frida Kahlo, que já visitara o Marrocos para viver uma experiência estética, Valéria encontrou similaridades entre as duas culturas: o Mercado Central com as medinas; os romeiros reverenciando a sua fé e os muçulmanos em suas orações nas mesquitas etc. Outras viagens, como aponta, a fazem comparar grupos de tradição, fé, vestimentas e incontáveis elementos que ligam a cultura popular caririense a todo mundo.

“Ao longo desses meus quase 64 anos, 45 deles eu venho viajando o mundo buscando comparações, buscando entender a minha ancestralidade sendo filha de Juazeiro com o que me conecta ao mundo. Então, esteja eu em Tóquio, esteja eu no meu sertão, todos os vetores me levam àquilo que é o meu acervo cultural, seja ele em Juazeiro do Norte, seja ele na Barbalha, terra da minha mãe, seja ele em Crato, lugar onde eu frequento e de alguma forma tenho amigos e tenho uma parte da família. O meu pai é de Porteiras e aí eu começo a entender Porteiras agora visitando os quilombos, buscando nos quilombos o que é a minha ancestralidade, qual é a minha parte”, relata, ao ter lembranças que carregam consigo nas memórias e nas obras... a Praça Padre Cícero na Festa do Galo, os reisados, ela pegando o “bigu” nas carroças de boi, festas no Horto, aniversário de Padre Cícero ou Candeias etc.

Para Valéria, Juazeiro do Norte é como uma grande antena parabólica: “é como se, de repente, eu estando em Juazeiro, minha antena estivesse no mundo inteiro. Eu me conecto com o mundo inteiro”. Assim, o retorno à cidade não podia ser diferente. Com a força ancestral das mulheres, e de um touro, ela deixa o convite para que todos participem: “Alô Cariri, alô Ceará! Nós, da Companhia de Brincantes Valéria Pinheiro - ABC Vatá, que foi fundada lá em 1994, no Rio de Janeiro, e migrou para o Ceará em 2000, constituindo a companhia genuinamente cearense, hoje convidamos você, tua família, teus amigos e todos que forem da tua rede de afeto, para estarem com a gente!”.

“Touro” estará em cartaz nos dias 3 e 4 de março, no Teatro Patativa no Sesc de Juazeiro; no dia 8, na Vila da Música, em Crato; dia 15, no Centro Cultural Banco do Nordeste, em Juazeiro do Norte; nos dias 17 e 18, no Teatro Patativa do Assaré, no Sesc Juazeiro (para escolas). “A gente convida todos vocês para celebrar com a gente a força da mulher feito o touro. ‘A vida vem e passa como trem, nem dá pra esperar. A vida vem todo dia, eu vou lutar.’ Sim, porque todo dia eu vou lutar”, finaliza Valéria.

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