“Bora fazer um filme?” lança novos projetos audiovisuais
Entre os trabalhos, está um documentário sobre Tica, rainha de reisado trans em Juazeiro
Foto: Murilo Cesca
Joaquim Júnior
14/11/23 11:00

O projeto “Bora fazer um filme?”, que já desenvolveu projetos como o curta-metragem “5 minutos sem perder a amizade”, participa do XIV Festival Internacional de Cinema da Fronteira, realizado no Rio Grande do Sul, com o curta “El Príncipe Ribamar de la Beira Fresca”. Para o mês de dezembro, o projeto prepara a estreia de “Tica: Renovação do Sagrado Coração de Jesus”, que será exibido no Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB).

O primeiro trabalho faz referência à história de Príncipe Ribamar, que andava de terno pelas ruas de Juazeiro do Norte e ficou conhecido por ser um verdadeiro sonhado. No segundo, conhecemos um pouco sobre a história de Tica, rainha trans de reisado em Juazeiro, que enfrenta a transfobia e o preconceito, e permanece firme com sua força e suas convicções – inclusive, ao realizar a tradicional renovação em sua casa ao Sagrado Coração de Jesus, como é costume na região.

Foto: Alex Hermes

Murilo Cesca, diretor e montador, conta que o “Bora fazer um filme?” nasceu em 2020, na época da pandemia, juto à Meninada do Horto, grupo criado em 2013. Para celebrar a primeira década, eles preparam a remontagem da "Aparição do boi mansinho" com a geração que está chegando. “O Cariri tem muitas histórias que merecem ser contadas e estamos aqui contando as que nos tocam e escolhemos. Que essas histórias e liberdade nos leve a outras histórias, escolhas e lugares”, menciona Murilo, ao citar que é de conhecimento que a escuta lhes conecta com os mais velhos e a comunidade.

“Talvez a aparição do ‘Bora fazer um filme?’ seja a urgência e a necessidade desse novo ciclo, a continuidade e a criação de outros espaços e temas que vão para além do Horto, do teatro e da brincadeira”, conta Murilo, ao destacar que os integrantes já passaram pela lapinha da mestra Dorinha e que, como uma rede, participam também Mestre Bosco, Seu Quinca, Lapinha Bom Jesus do Horto, Quadrilha Pinga Fogo etc. “Todo mundo participa direta ou indiretamente de todos os processos”, conta.

Foto: Daniel Carom

Os projetos futuros incluem um trabalho junto ao Mestre Quinca sobre a malhação do Judas na Pedra do Joelho, assim como a criação de um cineclube autoral comunitário no local para celebrar os dez anos da Meninada do Horto. As novidades podem ser acompanhar pelo Instagram, nos perfis @mevoeartesania e do @bora_fazer_um_filme.

Conheça, abaixo, um pouco mais sobre os projetos:

Jornal do Cariri: Do que trata o curta sobre o Príncipe Ribamar? Como você pensou em levar a história do “sonhador de Juazeiro” ao mundo?

Murilo Cesca: Todo mundo conhece um "Príncipe Ribamar" ou tem um no seu bairro, cidade, estado ou país. Basta se atentar e a gente percebe que o mundo ‘tá cheio de "príncipes" assim. A diferença é a maneira como olhamos... Se vemos apenas um louco ou um príncipe sonhador movido por uma paixão verdadeira e fora da tal realidade.

Olhar para a história e a existência do Príncipe Ribamar é, inclusive, questionar a razão das coisas, o que de fato nos move e o que deixamos enquanto ser coletivo. Uma vez que ‘taí o bondinho que leva o povo do Centro pra estátua do Padre Cícero. Isso é projeto do Principe Ribamar. E taí Agora, se vão tirar do papel o projeto da fábrica de engarrafar fumaça e o desentortador de bananas é outra história...

Reforço, com este trabalho, a sugestão de José Wilker e Rosemberg Cariry de mudar o nome do Aeroporto como reconhecimento a essa ilustre figura do Horto. Tão real e verdadeiro no imaginário e na história contada e encantada do Cariri. A vida do Príncipe Ribamar materializa a importância dos sonhos e sempre me faz pensar em Manoel de Barros quando diz que o olho vê, a memória revê e a imaginação transvê. É preciso transver o mundo!

Ver a história do Príncipe Ribamar sendo exibida em espanhol, e num festival tão importante e que tem a fronteira como mote e cenário, é olhar pro piá lá da Cohab em Ribeirão Preto que descobriu que com dois videocassetes dava pra editar e dizer... “Segue nessa onda, loco!”.

Jornal do Cariri: O documentário de Tica, uma rainha trans do reisado, será lançado no mês de dezembro. Como você enxerga a importância de dar voz a personagens como ela? Já há previsão de quando ocorrerá o lançamento e serão realizadas exibições? Como espera o recebimento do público?

Murilo Cesca: Conheci Tica e Cícero (esposo dela) em uma romaria e fizemos um videoclipe (Acaso ensaiado - Meio do mundo) juntos, no Ciclo de Reis em 2016. De lá pra cá, a gente segue se acompanhando e o clipe segue rodando e participando de festivais e eventos. Se você colocar "Tica rainha do reisado", no Google, encontra de tudo. Teses, artigos, documentários, homenagens, TV Futura... Acho massa e recomendo tudo! Mas, sempre me perguntando o que de fato volta e faz sentido pra ela.

Em uma de nossas conversas, me dei conta que ela não fazia ideia de quanta coisa tinha sobre ela e a falta de cuidado dessas pessoas em ao menos mostrar e falar sobre o que estavam escrevendo, filmando... Tem um livro sendo produzido sobre as Rainhas do Brasil rodando o Instagram, patrocinado, por exemplo, que ela nem está sabendo! Espero que o livro físico, pelo menos, chegue. Isso sem falar no cachê, que só chega pelos grupos de reisado quando ela brinca.

Olhar pra Tica é olhar para muitas camadas do que entendemos como cuidado com a cultura. Vai muito além da sexualidade e qualquer primeira impressão. O primeiro passo do nosso documentário foi cadastrar, junto com Difreitas, a Tica no Mapa Cultural e escrever o projeto com ela. Para ser uma proposta dela e com quem ela quisesse convidar.

Tica é religiosa e faz renovação em sua casa. O mote do projeto era arrumar a casa pra realizar a Renovação do Sagrado Coração de Jesus da Tica. O filme foi acontecendo e a galerinha do “Bora Fazer um Filme?” se envolveu, ajudou na produção, fez entrevistas, filmou, captou som e eu montei. Vendo todo o material, compartilhando os cortes e levando pra Tica e mostrando para os mais chegados, vejo que fizemos um filme sobre uma casa muito especial no bairro Frei Damião e a importância de ter o nosso próprio lugar.

Minha mestra e guru, Efigênia Rolim, diz que felicidade não é voar alto, é ter onde pousar. Penso que produzimos uma renovação e um filme sobre isso. Esse foi o primeiro filme que não acontece no Horto que o "Bora fazer um filme?" fez. É legal perceber que sem o ponto de vista deles o filme e a montagem seria outra coisa. Aprendi muito sobre renovação com essa galera.

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